O Wa-Mart revoluciona o mundo sustentável.



Por dentro da revolução verde
O Wal-Mart, a maior empresa do planeta, conquistou a simpatia de ambientalistas e deslancha a mais ambiciosa estratégia do mundo dos negócios para se converter de vilão em herói do meio ambiente. Ele pode mudar – radicalmente – o modo como as companhias operam em escala global
POR CYNTHIA ROSENBURG, DE BENTONVILLE
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LEE SCOTT, O CEO DO WAL-MART Ele abraçou a causa verde. Mas os críticos acham o modelo de negócios da empresa insustentável
Varginha, Minas Gerais. O empresário Sydney Marques de Paiva, presidente do Café Bom Dia, fabricante de cafés finos, pede desculpas pela bagunça quando iniciamos uma visita pela empresa. Ele está fazendo uma pequena reforma num canto da fábrica para abrir espaço a novas máquinas. Decidiu fazer isso depois de conversar com Al Gore. Eles estiveram juntos na sede do Wal-Mart, em Bentonville, interior do Arkansas, em julho do ano passado. Al Gore havia sido convidado por Lee Scott, o presidente mundial da rede de varejo, para apresentar seu documentário Uma Verdade Inconveniente a um grupo de funcionários e fornecedores. O mineiro Paiva, que desde 2003 fornece café produzido sem aditivos químicos ao Wal-Mart, fora convocado para participar da sessão e convidado a falar sobre seu negócio para o ex-vice-presidente americano. "Eu estava mostrando os produtos quando Al Gore perguntou que tipo de energia era usado na nossa fábrica", diz Paiva. "Quando eu disse que iria trocar os torradores de grãos a lenha por máquinas a gás, ele falou: 'Você vai trocar uma fonte de energia renovável por uma outra não renovável? Não faça isso'." O empresário seguiu o conselho e encomendou outros equipamentos. Com eles, a fábrica do Bom Dia passa a ser 100% suprida por energia de biomassa. A empresa também está diminuindo a quantidade de papelão usada nas caixas que levam os pacotes de café de Varginha para os Estados Unidos. O objetivo é atender à solicitação do Wal-Mart de que as embalagens sejam reduzidas ao mínimo possível.
Seattle, Washington. Os executivos da The Fishin' Company acompanham de perto a temporada de pesca do salmão que acontece a centenas de quilômetros ao norte dali, no Alasca. Desde que o governo local passou a controlar a atividade, de forma a coibir práticas predatórias, o período em que os pescadores têm autorização para sair em seus barcos e jogar as redes ao mar varia ano a ano. Isso altera também a quantidade de peixe que eles podem fornecer à empresa, que depois vende os filés congelados ao Wal-Mart. "Optamos pelo salmão do Alasca porque lá a pesca é controlada, ao contrário do que acontece na Rússia", diz o indiano Manish Kumar, presidente da The Fishin' Company.
Swligmann, o biólogo, levou o herdeiro do Wal-Mart a mergulhar em Galápagos e conhecer o Pantanal
Em janeiro de 2006, Kumar também esteve em Bentonville. Foi participar de uma reunião com outros fornecedores na qual foram apresentados à certificação do Marine Stewarship Council (MSC), uma organização internacional que atesta práticas de pesca responsável. Em menos de cinco anos, o Wal-Mart espera vender em seus supermercados nos Estados Unidos apenas peixes capturados na natureza que venham com o selo do MSC. "Antes de ser apresentado ao tema, eu não sabia nada sobre espécies ameaçadas ou conservação marinha", afirma Kumar. "Depois daquele encontro, o assunto tornou-se crítico para o meu negócio." Agora a The Fishin' Company precisa identificar pescadores mundo afora dispostos a continuar seu trabalho com a garantia de não ameaçar a sobrevivência das espécies que tiram do mar.
Kumar e Paiva são empresários em países diferentes e em negócios distintos. Mas ambos estão trabalhando para tornar suas companhias menos agressivas ambientalmente graças à influência de um cliente em comum, o Wal-Mart. Suas empresas estão na ponta de uma revolução que está transformando os padrões ecológicos e a gestão dos negócios da maior companhia do planeta - e que já começa a afetar sua rede de fornecedores, espalhada pelos cinco continentes. É uma força de mudança extraordinária, capaz de levar a revolução ambientalista a paragens onde ela não chegaria por conta própria.

Desde que o CEO Lee Scott abraçou publicamente a causa verde, menos de dois anos atrás, o Wal-Mart vem colocando em prática uma das iniciativas mais abrangentes já vistas no mundo dos negócios. Ela é ancorada em três metas ambiciosas: reduzir a zero a geração de lixo (a maior parte dos resíduos gerados nos supermercados sempre acabou nos aterros sanitários), ter 100% do suprimento de energia vindo de fontes renováveis (nos Estados Unidos, onde está a principal operação da companhia, boa parte da energia é suprida pela queima do carvão, que contribui para o aquecimento global) e vender produtos que não ameacem os recursos naturais e o meio ambiente (os milhares de itens vendidos nas prateleiras dos grandes varejistas são muitas vezes fabricados sem se considerar aspectos ecológicos ou sociais).
Promover ações para alcançar esses objetivos parece estar se tornando tão obsessivo para os executivos da empresa quanto seguir o lema do fundador, Sam Walton, morto em 1992: oferecer ao consumidor sempre o preço mais baixo. O Wal-Mart não só se juntou ao grupo de companhias que nos últimos anos começaram a se interessar pelo conceito da sustentabilidade como quer ser seu líder, o que vem despertando a curiosidade de empresários, acadêmicos, consumidores e ativistas no mundo todo. "Estamos num ponto crítico da história, em que a preocupação com o planeta deixou de ser uma onda para se transformar numa estratégia vital para os negócios", afirma Peter Seligmann, fundador da Conservação Internacional (CI), uma das mais respeitadas organizações globais de proteção ambiental. "O Wal-Mart entendeu isso. Vem fazendo avanços importantes e seus esforços em direção à sustentabilidade são cruciais na nossa tentativa de proteger o meio ambiente."
Foi Seligmann quem ajudou a plantar essa idéia no varejista de Bentonville. Há cerca de quatro anos, ele se aproximou de Rob Walton, presidente do conselho de administração do Wal-Mart e um dos filhos do fundador. Num primeiro momento, limitou-se a levar Walton para passeios em regiões de natureza privilegiada. Eles fizeram mergulhos nas Ilhas Galápagos e na Costa Rica, caminhadas em Madagascar e passeios de barco no Pantanal mato-grossense. Logo, Seligmann, um biólogo que cresceu numa família de homens de negócios, começou a usar exemplos palpáveis para explicar a Walton de que maneira a degradação da natureza influencia o negócio do Wal-Mart e vice-versa. Um exemplo: o varejista é um dos maiores vendedores de pescado no mundo. Nos oceanos, a população de muitas espécies de peixe está diminuindo, graças à poluição ou à exploração excessiva. O cenário representa um risco para o Wal-Mart, que pode ter o suprimento e as vendas de um de seus principais itens comprometidos. Ao criar formas de incentivar a conservação marinha, a rede poderia inverter o jogo: garantir a oferta de pescado, beneficiar o seu negócio e proteger o meio ambiente. Além de melhorar sua imagem.
OS NÚMEROS DO GIGANTE
O Wal-Mart é a maior empresa do planeta. Tudo que diz respeito ao varejista tem dimensões grandiosas: a operação, a cadeia de suprimentos e o impacto no meio ambiente
>> possui 6,7 mil lojas no mundo
>> as vendas foram de US$ 345 bi no ano passado
>> globalmente 176 millhões de pessoas visitam as lojas toda semana
>> possui 1,9 milhão de funcionários
>> nos EUA é o nº1 entre os consumidores privados de energia
>> tem mais de 60 mil fornecedores
>> as emissões de CO2 chegam a 19,2 milhões de toneladas por ano
>> está em 15 países incluindo os EUA



FAZENDA DO CAFÉ BOM DIA, EM VARGINHA, MG O sujeito de jeans e camiseta azul-escura, com as mãos na barra da colheitadeira, é Matt Kistler, vice-presidente de produtos e embalagens do Wal-Mart. O bom comportamento social e ecológico da empresa brasileira foi determinante na hora de assinar o contrato com a rede americana
O IMPACTO DO GIGANTE
Depois que Lee Scott passou a participar das conversas sobre negócios e conservação, a CI e a consultoria Blue Skye Sustainability foram contratadas para fazer uma investigação detalhada dos danos que a operação gigantesca do Wal-Mart provoca no meio ambiente. A empresa é o maior consumidor privado de energia dos Estados Unidos e tem uma das maiores frotas de caminhões do país. Suas emissões de gases do efeito estufa são comparáveis às da Eslovênia. O lixo que o Wal-Mart espalha pelo planeta vem dos fornecedores - principalmente na forma de embalagens - e da operação das lojas. O gigante também costumava ignorar como eram fabricados os produtos que expunha em suas prateleiras. O que os consultores fizeram foi dimensionar o impacto total da empresa e sugerir formas de ação. Em poucos meses, foi montado um plano voltado para as áreas consideradas críticas, nas quais poderiam ser gerados os maiores benefícios: lixo, clima e produtos. O plano foi anunciado com pompa por Scott no dia 24 de outubro de 2005, num discurso intitulado "Liderança do Século 21". "Se o Wal-Mart fosse um país, seria o 200 maior do mundo. Se fosse uma cidade, seria a quinta maior da América. As pessoas esperam muito de nós e elas têm o direito de ter essa expectativa", afirmou Scott. "Graças ao nosso tamanho e escopo, podemos ter um impacto grande no mundo, talvez como nenhuma companhia antes de nós." E mais: "Na medida em que ampliamos nossa presença global, os problemas do meio ambiente são os nossos problemas. Não existem dois mundos, um mundo do Wal-Mart e um outro mundo".
Nunca houve na história uma corporação do tamanho do Wal-Mart. A empresa lidera o ranking global da revista Fortune.Suas vendas alcançaram US$ 345 bilhões no ano passado. A rede tem 1,9 milhão de funcionários e quase 7 mil lojas espalhadas por 15 países - está iniciando, sob protestos de comerciantes locais, sua operação na Índia. É o maior varejista do México, o segundo da Inglaterra e o terceiro do Brasil. No mundo todo, 176 milhões de pessoas visitam seus supermercados toda semana. "O Wal-Mart não é apenas uma rede de varejo", escreveu o jornalista americano Charles Fishman no livro The Wal-Mart Effect. "Ele influencia onde nós compramos, o que compramos e que preços pagamos. (...) É a mais poderosa e influente companhia do planeta." A empresa possui mais de 60 mil fornecedores e gastou mais de US$ 200 bilhões na compra das mercadorias que abasteceram suas lojas no ano passado. Uma decisão sua pode afetar a maneira como um produto é fabricado, embalado ou transportado. Determina seu preço, suas vendas e o trabalho de todos os profissionais envolvidos na cadeia. Ainda que outros varejistas - como a Target, nos Estados Unidos, ou o Marks & Spencer, no Reino Unido - também venham promovendo avanços ambientais importantes em suas operações, nenhum tem musculatura para provocar mudanças em larga escala como o Wal-Mart. Ao elevar seus padrões ecológicos, a rede provoca um efeito dominó capaz de atingir empresas de todos os setores - de pescadores no Alasca a produtores de algodão na Turquia e fabricantes de brinquedos na China.
Uma pesquisa mostrou que a empresa perdera de 2% a 8% de consumidores por causa da mídia negativa

Até o discurso de Scott, o Wal-Mart jamais havia demonstrado nenhuma inclinação pela idéia da sustentabilidade. Ao contrário: a empresa sempre foi uma das mais combatidas do mundo por suas práticas sociais e ambientais. Nos Estados Unidos, existem organizações dedicadas exclusivamente a expor ao público as contradições da companhia. Para manter sua política de preços baixos, ela precisa controlar seus custos e economizar cada centavo. Ao longo das décadas, o Wal-Mart vem sendo acusado de espremer as margens de seus fornecedores, forçando-os a trabalhar no limite e adotar práticas trabalhistas condenáveis. Empresas que fornecem ao Wal-Mart são acusadas de pagar salários baixos e limitar ao máximo os benefícios. A lista de transgressões do varejista ainda inclui a discriminação de mulheres e minorias, a compra de artigos fabricados por mão-de-obra semi-escrava e a destruição do comércio local. Recentemente, por exemplo, o temor em relação a sua chegada provocou a resistência dos comerciantes de Los Cabos, na Baixa Califórnia, o último dos 31 estados mexicanos onde a empresa ainda não havia fincado a sua bandeira. O lugar abriga 1,2 mil pequenos negócios. "Esse comércio vai desaparecer por completo se nada for feito", diz Sebastián Alvarez, um comerciante local. A subsidiária mexicana, chamada Walmex - que lançou seu plano de sustentabilidade em julho deste ano, com a participação de Juan Rafael Elvira, ministro do Meio Ambiente do México - também é criticada por adotar a mão-de-obra de 19 mil adolescentes, que trabalham como empacotadores, sem pagar a eles um centavo. São tratados como voluntários, o que é permitido por lei, e só recebem as gorjetas dadas pelos clientes.
No campo dos danos ao planeta, as críticas ao Wal-Mart vão de violações a leis ambientais em diversos estados americanos à poluição gerada por seus veículos e pelo tráfego de consumidores no entorno das lojas. Tudo isso, somado à visibilidade que a empresa ganhou com sua expansão internacional, afeta seriamente sua imagem. Em 2004, um relatório da consultoria McKinsey, tornado público pela ONG Wal-Mart Watch, que acompanha criticamente a atuação da empresa, apontou que entre 2% e 8% dos consumidores da rede tinham parado de freqüentar suas lojas por causa das notícias ruins veiculadas na imprensa. O documento trazia recomendações para que a companhia trocasse sua atitude defensiva por uma postura proativa, "tornando-se um modelo em alguma questão importante para a sociedade". Neste ano, um estudo da Communications Consulting Worldwide alegou que, se o Wal-Mart tivesse a reputação de sua concorrente Target, suas ações na bolsa valeriam 4,9% mais - e melhorar os resultados para os acionistas tem sido uma preocupação crescente em Bentonville. Desde que Scott assumiu a presidência, em 2000, o preço das ações vem caindo. Em agosto passado, a companhia provocou rebuliço no mercado ao informar que reduzira a expectativa de lucro para 2007, devido a problemas na operação e aos efeitos da desaceleração da economia nos bolsos dos consumidores americanos.
"Ao adotar uma estratégia ambiental, o Wal-Mart não só melhora a sua imagem como consegue incrementar seus resultados financeiros", afirma David Nassar, diretor da Wal-Mart Watch. "E, veja, não há nada errado aí. Eles estão olhando para a questão ambiental de uma maneira séria e nós aplaudimos isso. Mas é importante lembrar que 80% do que a empresa chama de 'sustentabilidade', um conceito amplo que deveria englobar fatores sociais, significa apenas 'meio ambiente'." Em apresentações sobre a companhia, Scott cita aspectos como a oferta de novos planos de saúde para os funcionários e o compromisso de estimular a promoção da diversidade.
O MAPA DO MUNDO WAL-MART
O Wal-Mart persegue objetivos ambiciosos: ter 100% do suprimento de energia vindo de fontes renováveis, gerar desperdício zero e vender produtos que não ameacem o meio ambiente. para alcançá-las, foram criados grupos de trabalho com a participação de especialistas externos (da academia, do governo e de ongs). conheça o contexto e as ações de cada grupo:



CESTA COM PODER O Wal-Mart vai dar nota aos fornecedores com base no grau de sustentabilidade dos seus produtos e processos. Isso pode forçar mudanças no mercado
METAS AGRESSIVAS
Vários aspectos chamam a atenção na iniciativa verde do Wal-Mart. Um dos mais interessantes é que, na tentativa de provar que a preocupação ecológica é boa para os negócios, a companhia está recorrendo a seus princípios tradicionais de busca aguerrida por custos baixos e eficiência. "Depois que Lee estabeleceu metas ambientais agressivas, a velocidade com que fazemos as coisas aumentou e novas oportunidades de economia surgiram", diz Charles Zimmerman, vice-  presidente de desenvolvimento de novos formatos. As três grandes metas da empresa foramdesdobradas em diversos objetivos específicos. Zimmerman é um dos responsáveis por garantir que o Wal-Mart atinja um deles: fazer com que as lojas existentes sejam 25% mais eficientes no consumo de energia e criar modelos novos, 30% mais eficientes. Em sua sala em Bentonville, ele fica cercado por engenhocas que as empresas enviam ao Wal-Mart para testes. "Este equipamento é um sistema de iluminação para estacionamentos que ainda nem é fabricado comercialmente. Saiu do laboratório da GE diretamente para nós", afirma, mostrando um protótipo. "Não há lâmpadas, apenas fileiras de LEDs, uma tecnologia de iluminação muito mais eficiente e de menor impacto ambiental. É mais caro, mas em dois anos o investimento se paga."
Dois anos atrás, o Wal-Mart criou duas lojas experimentais - uma em região de clima frio (Aurora, no Colorado) e outra em clima quente (McKinney, no Texas) - para testar soluções que possam reduzir os danos dos supermercados à natureza. Brent Allen, o gerente da loja de McKinney, parece orgulhoso do trabalho. "Todos os meses recebo pessoas de vários países interessadas em conhecer o que fazemos aqui", diz ele, enquanto passamos por um enorme corredor repleto de refrigeradores com produtos à venda. À medida que caminhamos, as luzes internas das geladeiras, que também são pequenos LEDs, são acionadas por sensores de presença. O produto lá dentro só é iluminado quando chegamos perto. A tecnologia será instalada em cerca de 500 lojas por ano, gerando uma economia estimada de US$ 2,6 milhões na conta de energia.
O ecologista do Wal-Mart quer que Wall Street olhe para o desempenho da empresa e exija mais

"Algumas tecnologias testadas aqui, como as turbinas de energia eólica, ainda são caras para ser usadas em grande escala", diz Allen. "Mas outras soluções já são adotadas em vários lugares." Uma delas é o controle geral de iluminação, presente em 2,7 mil das mais de 4 mil lojas do Wal-Mart nos Estados Unidos. Nesse sistema, sensores monitoram a quantidade de luz natural que entra por aberturas no teto e apagam as luzes internas nos horários mais claros. Fazer compras em McKinney, onde há luz natural, o pé-direito é mais baixo para economizar ar-condicionado e o estacionamento é cheio de árvores, é mais agradável que nas lojas tradicionais do Wal-Mart (veja desenho na pág. 110). No meio da entrevista, Allen foi abordado por uma senhora empurrando um carrinho cheio. "Eu moro numa cidade vizinha e gostei muito de sua loja. Parabéns. A partir de agora, vou fazer minhas compras aqui."
Outro aspecto marcante da estratégia ambiental é sua abrangência. A empresa tem hoje 13 grupos de trabalho que perseguem mudanças nas mais diversas áreas - de construções e logística a agricultura e produtos eletrônicos. Em vez de simplesmente abordar as questões tradicionais relacionadas a cada negócio - como qualidade e preço -, os profissionais agora precisam fazer perguntas como: de onde vem o produto? Como ele é fabricado? Que substâncias contém? Como é transportado e embalado? É nessa investigação e no trabalho com os fornecedores que está o maior potencial de mudança. "Você continua trabalhando para conseguir as melhores decisões para o consumidor. A novidade é a lente pela qual passa a analisar essas decisões", diz o vice-presidente, Andy Ruben, que foi escolhido para coordenar a iniciativa de sustentabilidade depois de trabalhar 15 anos na área de estratégia do Wal-Mart. Seu cargo vem impresso num cartão minúsculo. No verso, lê-se: este cartão consome 50% menos papel. "Esta pode ser a grande estratégia, a grande oportunidade de negócios das próximas décadas", diz Ruben. "Mas ainda estamos no jardim da infância."
A sustentabilidade já mexeu com um aspecto da cultura da empresa. Vista como fechada e centrada em seus processos internos, precisou abrir as portas a especialistas de fora para dar consistência e velocidade à iniciativa verde. Profissionais de ONGs, universidades e órgãos do governo americano, como a Environmental Protection Agency, participam dos grupos de trabalho. Algumas organizações até abriram escritórios em Bentonville. "Essas pessoas não foram chamadas porque queremos convencê-las a gostar de nós, mas porque têm perspectivas que podem nos ajudar a ser melhores", diz Ruben.
O ESFORÇO DE EDUCAÇÃO
Para conseguir provocar mudanças no negócio e influenciar o comportamento de fornecedores e consumidores, o Wal-Mart precisa ensinar os funcionários sobre sustentabilidade. Veja o que está sendo feito:
Nos Estados Unidos
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 Os 1,3 milhão de empregados são convidados a aderir ao Programa de Sustentabilidade Pessoal e a estabelecer metais individuais de qualidade de vida (como adotar alimentação saudável) ou de cuidados com o meio ambiente (como usar menos o carro)



No Brasil
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A rede contratou o Instituto Akatu para dar aulas sobre sustentabilidade para os executivos e ampliar o entendimento sobre consumo consciente entre os 60 mil funcionários. Multiplicadores serão formados em temas que vão de água a finanças pessoais

Entre elas há ambientalistas que, no passado, rechaçavam a rede. Gente como Adam Werbach, ex-presidente do Sierra Club, um dos mais antigos grupos ambientalistas dos Estados Unidos. A Act Now, sua consultoria, foi contratada para desenvolver um programa de educação sobre sustentabilidade para os funcionários. Desde então, ele vem sendo acusado por antigos colegas de ter vendido a alma ao diabo. Numa reportagem recente da revista Fast Company, Werbach disse que já recebeu até ameaças, mas não se abala: "Meu objetivo é fazer com que Wall Street olhe para o desempenho ambiental do Wal-Mart e diga: uau, queremos mais disso".
Isso poderá acontecer um dia? Algumas projeções financeiras do Wal-Mart impressionam. O Rocky Mountain Institute, outra ONG, está no grupo de trabalho que pretende dobrar a eficiência da frota de caminhões até 2015. Entre as mudanças, está a instalação de acessórios aerodinâmicos nos veículos que reduzem o atrito com o ar e otimizam o consumo de combustível, e de pequenos geradores que permitem manter o ar condicionado e o sistema de aquecimento ligados durante períodos de descanso do motorista, sem queimar diesel. Se alcançar a economia esperada para este ano, de 25%, os caminhões deixarão de jogar até 400 mil toneladas de CO2 por ano na atmosfera. "Se a meta de dobrar a eficiência for atingida nos próximos anos, a economia pode chegar a US$ 400 milhões por ano", diz Michael Ogburn, consultor do Rocky Mountain. Compare: o investimento anual de toda a iniciativa de sustentabilidade é de US$ 500 milhões. Outra ação que poderá gerar um retorno gigantesco é a redução das embalagens. A meta é conseguir que os fornecedores reduzam as embalagens em 5% entre 2008 e 2013. A economia esperada é de US$ 3,4 bilhões. Wall Street sabe ler esses números.
"Acho incrível trabalhar com embalagens, porque é algo que pode influenciar todo o resto", diz Matt Kistler, vice-presidente de marketing, pesquisa e "insights". O executivo quer ampliar a lista de fornecedores que já desenvolveram itens novos por sugestão do Wal-Mart. Um deles é a Unilever, que produziu um sabão líquido três vezes mais concentrado. O consumidor faz a mesma quantidade de lavagens, mas o frasco, que era de 3 litros, agora tem apenas 1. "Pense na caixa de cereais matinais", diz Kistler. "Você abre e ainda encontra um pacote de plástico dentro. Será que precisamos mesmo das duas coisas?"
As referências sobre sustentabilidade estão por todos os lados em seu escritório. Na entrada, há um quadro enorme com dados do consumo de materiais da bandeira Sam's Club. Nas prateleiras, livros sobre meio ambiente e negócios - como Green to Gold, de Daniel Esty e Andrew Winston, professores da Universidade Yale, e Cradle to Cradle, do arquiteto americano Bill McDonough, considerado por alguns como a bíblia do ecodesign. Em cima da mesa, a pauta de uma reunião sobre como explicar todo o esforço verde para o consumidor.
Da mesma maneira que pressionou seus fornecedores, nas últimas décadas, a ser mais baratos e eficientes, o Wal-Mart quer agora que eles sejam mais ecológicos. A ferramenta que ajudará a forçar essa mudança já está funcionando. Desde o início do ano, os fornecedores inserem dados sobre o conteúdo de suas embalagens e produtos numa área do site do varejista. Um sistema complexo analisa a quantidade de material reciclado usada, a relação entre a quantidade de produto e a quantidade de embalagem e as emissões de CO2 resultantes da produção, entre outras métricas. O resultado é uma nota do quão "sustentável" é a mercadoria. "Isso vai mostrar às empresas como elas estão em relação aos concorrentes e como podem melhorar", diz Kistler. Também vai permitir que o Wal-Mart classifique - e escolha - os fornecedores segundo esse critério.


Por décadas, a empresa usou seu poder para obter preços baixos, agora, quer produtos baratos e sustentáveis

Desde que o plano ambiental ganhou força, fornecedores considerados mais avançados estão ganhando visibilidade. É o caso do Café Bom Dia. "É uma empresa exemplar do ponto de vista socioambiental", afirma Kistler, que em 2006 esteve em Varginha com um grupo de colegas. No início da década, o presidente Sydney Marques de Paiva não conseguia convencer os compradores do Wal-Mart nos Estados Unidos a aceitar seu produto. Em 2003, depois de analisar tendências de mercado internacionais, decidiu abandonar o uso de fertilizantes químicos e converteu toda a produção para a lavoura orgânica. Mais tarde, além do selo de produtor orgânico, o Bom Dia conquistou os selos Fair Trade, que atesta o preço justo na compra de pequenas famílias produtoras de café, e Rain Forest Alliance, que também trata de cuidados sociais e ambientais. Tudo isso aconteceu na época em que a rede americana começava a se interessar por sustentabilidade. "Nós tínhamos o que eles procuravam", diz Paiva.
Hoje, a marca Marques de Paiva é vendida nas prateleiras do Sam's Club ao lado dos pacotes de café da Starbucks. O relacionamento com o Wal-Mart fez crescer as exportações do Bom Dia, que alcançaram US$ 17 milhões em 2006. No ano passado, a empresa chegou a ser homenageada durante uma reunião da alta direção em Bentonville. Primeiro, foi exibido um vídeo sobre a produção do café, ao som de The Real Thing, do U2. Depois, Adauto Marques de Paiva foi convidado a subir ao palco ao lado do filho Sydney. A platéia no auditório aplaudiu de pé. Lee Scott estava na primeira fila.
Um dos desafios do Wal-Mart é fazer o plano avançar fora dos Estados Unidos. A subsidiária brasileira já caminha a passos rápidos, na avaliação de seu presidente, o espanhol Vicente Trius. "Nossas três metas gerais, de lixo, clima e produtos, podem parecer muito ambiciosas, mas elas não têm nada de ilusórias", afirma. "Só a troca das lâmpadas para o modelo T5, mais eficiente, trará uma economia de 10% a 15%. E podemos chegar ao desperdício zero em cinco anos."

VICENTE TRIUS, PRESIDENTE DO WAL-MART BRASIL Metas de redução de lixo, contenção de energia e adequação de produtos já estão em uso, mas os fornecedores ainda não começaram a se mexer para alcançá-las
Em Salvador, uma cooperativa formada por 270 catadores, a Caec, é a responsável por coletar o lixo reciclável de 33 das 45 lojas da bandeira Bompreço, um dos braços da multinacional no Brasil. O projeto foi iniciado pelo Instituto Wal-Mart e recentemente ganhou destaque internacional ao ser escolhido pela matriz como uma ação exemplar na categoria impacto social. "Queremos replicar o modelo em todas as lojas do país em cinco anos", diz o presidente. "Mas ainda precisamos definir o que fazer com o lixo orgânico."
Na área de produtos orgânicos, a meta de chegar a mil itens nas lojas até o fim do ano foi recentemente superada. "Já temos 1,4 mil itens em linha e o desafio agora é fazer o preço cair", afirma José Eduardo Cabral, vice-presidente de merchandising do Wal-Mart Brasil. Mas o trabalho com fornecedores para reduzir o impacto ambiental e social das mercadorias ainda é lento. Meses atrás, os maiores fornecedores da empresa no Brasil receberam a orientação de implementar um projeto de produtos ou embalagens até o fim deste ano. Das cerca de 20 empresas procuradas para esta reportagem, somente a Nestlé confirmou estar trabalhando nisso, sem revelar detalhes. "Na teoria, a receptividade dos fornecedores é boa, mas a iniciativa ainda é muito tímida", diz Trius.



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